O acesso à saúde é um direito sagrado, uma garantia constitucional que toca a vida de todos os cidadãos. No entanto, a busca por esse direito tem, cada vez mais, desaguado nos tribunais, num fenômeno conhecido como judicialização da saúde. Para tanto, a introdução aborda a situação atual da judicialização da saúde, um cenário onde pacientes, na ânsia por tratamentos, medicamentos e procedimentos, recorrem ao Poder Judiciário como uma rota frequentemente vista como única ou mais eficaz diante de negativas ou demoras do sistema público (SUS) ou privado (planos de saúde).
Este caminho, embora muitas vezes necessário para garantir direitos individuais urgentes, tem gerado consequências complexas. Em seguida, demonstra a situação de crise do sistema judicial na área da saúde, com um volume crescente de ações que não apenas sobrecarregam os juízes e tribunais, mas também impõem desafios significativos à gestão e ao financiamento do sistema de saúde como um todo. Diante dessa encruzilhada, é imperativo buscar alternativas.
É nesse ponto que o artigo passa a discorrer sobre a utilização dos institutos consensuais de resolução de conflitos, com destaque para a mediação. Por fim, considera a utilização do diálogo como meio de solução de conflitos é preferencial nas demandas de saúde, de forma a não causar uma desorganização ao sistema público de saúde e no orçamento.
A Mediação em Direito e Saúde não é apenas uma utopia, mas uma necessidade premente para um sistema mais justo, eficiente e humano. Quer aprofundar seu conhecimento sobre os desafios da judicialização e as alternativas que promovem um acesso mais equânime e sustentável à saúde?
Este texto propõe uma reflexão sobre como a mediação pode ser o elo perdido, a ferramenta capaz de transformar confrontos em conversas e decisões impostas em soluções construídas, beneficiando pacientes, profissionais, gestores e o próprio sistema de justiça.
A Febre da Judicialização da Saúde: Um Diagnóstico da Situação Atual
A situação atual da judicialização da saúde no Brasil é alarmante. Milhares de novas ações são ajuizadas anualmente, pleiteando desde medicamentos de alto custo não incorporados pelo SUS ou fora do rol da ANS, até vagas em UTIs, cirurgias complexas e tratamentos experimentais. As causas para essa “epidemia” judicial são multifacetadas:
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Conscientização dos Direitos: Os cidadãos estão mais cientes de seus direitos à saúde e buscam sua efetivação.
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Avanços Tecnológicos e Novos Tratamentos: A medicina evolui rapidamente, trazendo novas terapias, muitas vezes com custos elevados, que nem sempre são imediatamente incorporadas pelos sistemas de saúde.
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Desafios do SUS: Apesar de seus méritos, o SUS enfrenta problemas de subfinanciamento, gestão e desigualdades regionais, o que pode levar a demoras ou negativas no fornecimento de determinados serviços.
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Práticas dos Planos de Saúde: Negativas de cobertura consideradas indevidas, reajustes abusivos e uma rede credenciada por vezes insuficiente também impulsionam a busca pelo Judiciário.
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Atuação de Advogados e Defensorias: A facilidade de acesso à justiça, especialmente através das Defensorias Públicas, também contribui para o volume de ações, o que é legítimo, mas evidencia a necessidade de filtros e alternativas.
Esse cenário, embora demonstre um esforço pela garantia de direitos, revela uma disfunção: o Judiciário, que deveria ser a ultima ratio (o último recurso), tornou-se, em muitos casos de saúde, a primeira porta a ser batida.
A Crise no Sistema Judicial da Saúde: Sintomas de um Sistema Sobrecarregado
A consequência direta dessa enxurrada de processos é uma situação de crise do sistema judicial na área da saúde. Os sintomas são claros:
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Sobrecarga dos Tribunais: Juízes e varas especializadas (ou não) em saúde se veem abarrotados de processos, o que compromete a celeridade e a qualidade das decisões em todos os tipos de causas.
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Decisões Baseadas em Urgência, Nem Sempre em Evidência: Muitas decisões, especialmente liminares, são tomadas sob a pressão da urgência do caso individual, sem tempo para uma análise aprofundada das evidências científicas, do custo-efetividade do tratamento pleiteado ou das alternativas terapêuticas disponíveis no sistema.
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Insegurança Jurídica: Decisões conflitantes para casos semelhantes podem gerar insegurança tanto para os gestores de saúde quanto para os cidadãos.
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Impacto Orçamentário Imprevisível: O cumprimento de milhares de decisões judiciais individuais, muitas vezes para tratamentos de altíssimo custo não previstos no orçamento, causa um grande impacto nas finanças públicas da saúde. Isso pode levar à necessidade de remanejar verbas de outras áreas essenciais, como atenção básica ou programas de vacinação.
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Risco à Equidade e à Universalidade do SUS: A “justiça do caso individual” pode, paradoxalmente, gerar iniquidades, pois quem consegue uma decisão judicial pode ter acesso a um tratamento que não está disponível para outros cidadãos em situação similar, mas que não judicializaram. Isso fere os princípios da universalidade e da equidade do SUS.
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Desgaste Institucional: A relação entre o Poder Judiciário e os gestores do Poder Executivo (responsáveis pela saúde) muitas vezes se torna tensa e adversarial, dificultando a construção de soluções conjuntas e políticas de saúde mais eficazes.
Essa crise demonstra que o modelo atual, focado excessivamente na via judicial, não é sustentável a longo prazo e precisa ser urgentemente repensado. É aqui que se torna fundamental discorrer sobre a utilização dos institutos consensuais de resolução de conflitos.
Respirando Novos Ares: Os Institutos Consensuais como Alternativa Terapêutica
Diante do diagnóstico de um sistema judicial em crise na área da saúde, os institutos consensuais de resolução de conflitos, como a conciliação e, principalmente, a mediação, surgem como um tratamento promissor. A Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e o Código de Processo Civil de 2015 deram um grande impulso a esses métodos, incentivando sua aplicação em diversas áreas, inclusive envolvendo a administração pública.
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Conciliação em Saúde:
Mais diretiva, o conciliador pode sugerir soluções. Pode ser útil para questões mais objetivas, como acordos sobre o pagamento de um procedimento já realizado ou a negociação de um cronograma para um tratamento de menor complexidade. -
Mediação em Direito e Saúde (O Foco Principal):
A mediação é particularmente poderosa no contexto da saúde por sua capacidade de ir além da disputa legal e tocar nas necessidades, emoções e relações subjacentes.-
Facilitação do Diálogo: Um mediador neutro e qualificado ajuda paciente/família, médicos, representantes do SUS ou do plano de saúde a conversarem de forma construtiva.
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Esclarecimento de Informações: Muitas vezes, o conflito surge por falta de informação clara sobre o diagnóstico, as opções de tratamento, os critérios do SUS para fornecimento de medicamentos, ou as cláusulas do contrato do plano de saúde. A mediação é um espaço para esses esclarecimentos.
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Identificação de Interesses Reais: O que o paciente realmente busca? Segurança? Alívio da dor? Qualidade de vida? Informação? O que o gestor precisa garantir? A sustentabilidade do sistema? O atendimento equânime?
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Construção de Soluções Criativas e Colaborativas: As partes, juntas, podem encontrar saídas que um juiz talvez não pudesse determinar, como um plano de tratamento adaptado, o acesso a um programa de assistência específico, ou até mesmo um acordo para que o paciente contribua com uma parte do custo de um medicamento de alto valor, se for o caso e houver amparo.
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Humanização do Conflito: A mediação permite que as pessoas sejam vistas como seres humanos com necessidades e angústias, e não apenas como “partes” em um processo.
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A utilização desses institutos não visa impedir o acesso à justiça, mas sim oferecer um caminho alternativo, muitas vezes mais rápido, barato, menos desgastante e mais satisfatório para resolver as demandas de saúde.
O Diálogo como Terapia Preferencial: Evitando a Desorganização do SUS e do Orçamento
Por fim, considera a utilização do diálogo como meio de solução de conflitos é preferencial nas demandas de saúde, de forma a não causar uma desorganização ao sistema público de saúde e no orçamento. Esta é a grande aposta e o grande benefício de se investir na Mediação em Direito e Saúde e em outras formas de diálogo interinstitucional.
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Evitando a Desorganização do Sistema Público de Saúde:
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Planejamento Preservado: Decisões judiciais individuais e pulverizadas que determinam o fornecimento de tratamentos não padronizados ou de altíssimo custo podem desorganizar completamente o planejamento orçamentário e logístico das Secretarias de Saúde. Com a mediação, busca-se soluções que considerem o impacto no sistema.
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Decisões Técnicas e Coletivas: A mediação, especialmente se apoiada por pareceres de câmaras técnicas de saúde (como os NAT-JUS), permite que as decisões sejam mais embasadas em evidências científicas e na análise de custo-efetividade, alinhando as necessidades individuais com as políticas de saúde coletivas.
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Priorização Racional: O diálogo pode ajudar a definir prioridades de forma mais transparente e participativa, considerando a escassez de recursos e a necessidade de atender a todos de forma equânime.
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Protegendo o Orçamento:
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Soluções Mais Econômicas: Muitas vezes, um acordo mediado pode encontrar alternativas terapêuticas eficazes e mais baratas, ou formas de otimizar o uso de recursos.
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Prevenção de Custos Judiciais: Cada caso resolvido pela mediação é um processo judicial a menos, com todos os seus custos associados (advogados, perícias, custas processuais).
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Foco na Sustentabilidade do SUS: Um sistema de saúde financeiramente sustentável é a melhor garantia de acesso para todos a longo prazo. A judicialização desenfreada ameaça essa sustentabilidade.
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Promovendo a Cultura da Responsabilidade Compartilhada:
A mediação incentiva que todos os atores – pacientes, médicos prescritores, gestores do SUS, operadoras de planos de saúde – assumam sua parcela de responsabilidade na busca por soluções que sejam ao mesmo tempo justas para o indivíduo e viáveis para o sistema. O médico, por exemplo, ao participar de um diálogo mediado, pode compreender melhor as limitações do sistema e, junto com o paciente, buscar alternativas dentro do possível.
Ao priorizar o diálogo, a Mediação em Direito e Saúde não está apenas resolvendo um caso individual; está contribuindo para a saúde e a vitalidade de todo o sistema, tornando-o mais resiliente, justo e capaz de cumprir sua missão fundamental.
Conclusão: Mediação – Um Remédio Necessário para a Saúde do Direito e o Direito à Saúde
A situação atual da judicialização da saúde impõe um fardo pesado sobre o sistema judicial e sobre o próprio sistema de saúde. A crise é evidente, e a busca por institutos consensuais de resolução de conflitos não é mais uma opção, mas uma necessidade urgente.
A Mediação em Direito e Saúde, ao promover o diálogo como meio preferencial de solução de conflitos, oferece uma alternativa terapêutica poderosa. Ela permite que as demandas de saúde sejam tratadas com a sensibilidade, a agilidade e a profundidade técnica que merecem, de forma a não causar uma desorganização ao sistema público de saúde e no orçamento.
Investir em mediação, capacitar mediadores especializados em saúde, criar câmaras técnicas de apoio e, acima de tudo, fomentar uma cultura de diálogo e colaboração entre todos os envolvidos é o caminho para um sistema de saúde mais justo, eficiente e verdadeiramente centrado no paciente, sem comprometer sua sustentabilidade. É hora de prescrever mais diálogo e menos litígio para a saúde do Brasil.
Você já enfrentou um conflito na área da saúde? Acredita que a mediação poderia ter sido uma boa alternativa? Compartilhe sua experiência e opinião nos comentários!
FAQ – Perguntas e Respostas sobre Mediação em Direito e Saúde e a Judicialização
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P: A mediação pode impedir meu acesso à Justiça se eu não conseguir um acordo?
R: Não. A mediação é uma tentativa de solução consensual. Se não houver acordo, o direito de buscar a via judicial permanece intacto, a menos que o acordo firmado resolva completamente a questão. -
P: Quem pode ser mediador em casos de saúde? Precisa ser médico ou advogado?
R: O mediador ideal em saúde é um profissional treinado nas técnicas de mediação e que possua um bom entendimento do sistema de saúde, da linguagem médica e das questões ético-legais envolvidas. Ele pode ter formação em direito, saúde, psicologia, serviço social, entre outras, mas a capacitação específica em mediação e, idealmente, em mediação em saúde, é crucial. -
P: A mediação é eficaz para negativas de planos de saúde também, ou só para o SUS?
R: Sim, a mediação é muito eficaz também para conflitos com planos de saúde, como negativas de cobertura, reajustes, etc. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) inclusive incentiva e possui mecanismos de mediação para esses casos. -
P: Se eu precisar de um medicamento de alto custo que o SUS não fornece, a mediação pode garantir que eu o receba?
R: A mediação não “garante” o fornecimento no sentido de uma ordem judicial, pois o mediador não decide. No entanto, ela cria um espaço para que sua necessidade seja detalhadamente explicada aos gestores do SUS, para que as evidências do seu médico sejam apresentadas, e para que, juntos, busquem uma solução. Essa solução pode ser o fornecimento (se tecnicamente justificável e houver alguma brecha administrativa), a indicação de uma alternativa terapêutica, ou o encaminhamento para uma análise mais aprofundada. -
P: Como os “diálogos interinstitucionais” ajudam o paciente na prática?
R: Quando o Judiciário, o Ministério Público, as Secretarias de Saúde e outras instituições dialogam e criam fluxos e entendimentos comuns (por exemplo, através dos NAT-JUS), as decisões sobre pedidos de saúde tendem a ser mais rápidas, mais técnicas e mais uniformes. Isso pode evitar que o paciente precise entrar na Justiça ou, se entrar, que sua demanda seja analisada de forma mais qualificada. -
P: A judicialização da saúde é sempre ruim?
R: Não necessariamente. Em muitos casos, a via judicial foi e continua sendo fundamental para garantir direitos e salvar vidas, especialmente quando há omissão clara do poder público ou abuso por parte de planos de saúde. O problema não é a judicialização em si, mas o seu uso excessivo e, por vezes, indiscriminado, que sobrecarrega o sistema e pode gerar distorções. A mediação busca ser um filtro qualificado. -
P: Onde posso buscar mediação para um conflito de saúde?
R: Você pode verificar se o hospital ou plano de saúde possui um serviço de ouvidoria ou mediação interna. Pode procurar os CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) da sua cidade, que oferecem mediação gratuita. Existem também Câmaras de Mediação privadas com profissionais especializados. Seu advogado , Câmara Privada ou a Defensoria Pública também podem orientá-lo.
Espero que este artigo tenha contribuído para a reflexão sobre este tema vital. A construção de um sistema de saúde mais justo e eficiente passa, necessariamente, pelo fortalecimento do diálogo e da mediação.










