Home / Mediação / Mediação e Conciliação Cível no Brasil: Efetividade Real e Desafios Persistentes Contra a Judicialização Excessiva

Mediação e Conciliação Cível no Brasil: Efetividade Real e Desafios Persistentes Contra a Judicialização Excessiva

O cenário jurídico brasileiro é notoriamente marcado por um elevado volume de processos judiciais, resultando em um sistema frequentemente moroso e sobrecarregado. Nesse contexto, a busca por alternativas que ofereçam soluções mais céleres, eficientes e satisfatórias para as partes envolvidas tem ganhado destaque. Dentre essas, a mediação e a conciliação como alternativas à judicialização dos conflitos civis emergem como instrumentos de significativa importância, prometendo não apenas desafogar o Poder Judiciário, mas também transformar a cultura de resolução de disputas no país.

A transição de uma mentalidade predominantemente litigante para uma que valoriza o consenso e a autocomposição é um dos pilares da moderna política judiciária. No entanto, apesar dos avanços legislativos e do crescente reconhecimento de sua efetividade, a plena implementação e consolidação da mediação e da conciliação no âmbito dos conflitos civis no Direito brasileiro ainda enfrentam desafios consideráveis. Este artigo visa analisar tanto os aspectos positivos e os resultados já alcançados por esses métodos quanto os obstáculos que persistem em dificultar sua universalização. 

A discussão sobre a efetividade da mediação e conciliação passa, necessariamente, pela análise de sua capacidade de proporcionar não apenas acordos, mas acordos que sejam sustentáveis, que preservem relacionamentos e que efetivamente resolvam a lide subjacente, indo além da mera extinção processual.

O Panorama da Judicialização Excessiva no Brasil: Um Diagnóstico Necessário

Antes de adentrarmos especificamente na mediação e conciliação cível, é crucial dimensionar o problema que elas buscam mitigar: a judicialização excessiva. O Relatório “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anualmente revela dados alarmantes sobre o estoque de processos, o tempo médio de tramitação e os custos associados à máquina judiciária.

Diversos fatores contribuem para esse fenômeno:

  • Cultura do Litígio: Uma percepção social de que a “verdadeira justiça” só é alcançada por meio de uma sentença judicial imposta por um terceiro.

  • Acesso à Justiça Interpretado Restritivamente: Por muito tempo, o acesso à justiça foi sinônimo de acesso ao Poder Judiciário, desconsiderando outras formas de resolução de disputas.

  • Legislação Complexa e Incentivos ao Litígio: Em alguns casos, a própria estrutura legal ou a falta de mecanismos eficazes de desincentivo ao litígio protelatório contribuem para o problema.

  • Demandas de Massa e Repetitivas: Conflitos que envolvem um grande número de pessoas com a mesma questão (ex: consumidores, questões bancárias) acabam gerando um volume expressivo de ações individuais.

Essa judicialização excessiva não apenas sobrecarrega o sistema, mas também pode gerar insatisfação nas partes, que frequentemente enfrentam longas esperas por uma solução que, ao final, pode não atender plenamente aos seus interesses mais profundos. É nesse vácuo que a mediação e a conciliação como alternativas à judicialização dos conflitos civis se apresentam como respostas promissoras.

Mediação e Conciliação: Conceitos, Distinções e a Busca pelo Consenso no Direito Brasileiro

Embora frequentemente mencionadas em conjunto, mediação e conciliação possuem distinções importantes, especialmente no que tange à postura do terceiro facilitador e ao tipo de conflito mais adequado a cada uma.

  • Conciliação Cível:
    Neste método, um terceiro imparcial, o conciliador, atua de forma mais ativa na busca pelo acordo. Ele pode sugerir soluções, apresentar propostas e orientar as partes de maneira mais diretiva, sempre com o objetivo de que elas cheguem a um consenso. A conciliação é geralmente indicada para conflitos civis mais objetivos, onde não há um vínculo anterior significativo entre as partes ou onde esse vínculo não se pretende preservar (ex: cobrança de dívidas, acidentes de trânsito sem vítimas graves, questões contratuais pontuais). Sua efetividade reside na rapidez e na possibilidade de um acordo prático.

  • Mediação Cível:
    Na mediação, o mediador, também um terceiro imparcial, tem um papel de facilitador do diálogo entre as partes. Ele não propõe soluções, mas utiliza técnicas específicas para ajudar os envolvidos a identificarem seus reais interesses e necessidades, a compreenderem a perspectiva do outro e a construírem, eles mesmos, a solução para o conflito. A mediação e a conciliação como alternativas à judicialização dos conflitos civis veem na mediação uma ferramenta poderosa para casos mais complexos, especialmente aqueles onde existe uma relação continuada que se deseja preservar ou restaurar (ex: conflitos societários, questões de vizinhança complexas, algumas disputas familiares com repercussão cível). O foco está na restauração da comunicação e na autonomia das partes.

Ambos os métodos são regidos por princípios fundamentais como a confidencialidade, a imparcialidade do terceiro, a autonomia da vontade das partes, a decisão informada e a boa-fé. No Direito brasileiro, a Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação) e o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) representam marcos legislativos que institucionalizaram e incentivaram fortemente a utilização desses mecanismos, inclusive com a previsão de audiências obrigatórias de conciliação ou mediação no início dos processos cíveis.

A Efetividade Comprovada: Benefícios da Mediação e Conciliação nos Conflitos Civis

A crescente adoção da mediação e conciliação cível não é por acaso. Sua efetividade pode ser observada em diversos aspectos:

  1. Celeridade Processual:
    Acordos obtidos por meio desses métodos são significativamente mais rápidos do que uma sentença judicial, que pode levar anos para transitar em julgado. Isso representa um ganho imensurável para as partes, que obtêm uma solução em tempo hábil.

  2. Redução de Custos:
    A diminuição do tempo de disputa e a simplificação do procedimento geralmente resultam em menores custos processuais, honorários advocatícios (pela menor duração) e outros gastos associados ao litígio prolongado.

  3. Maior Satisfação das Partes:
    Como as partes são protagonistas na construção da solução (especialmente na mediação), os acordos tendem a ser mais satisfatórios e adequados às suas reais necessidades e interesses, diferentemente de uma decisão imposta por um terceiro.

  4. Maior Probabilidade de Cumprimento do Acordo:
    Acordos construídos consensualmente têm uma taxa de cumprimento espontâneo muito superior à das decisões judiciais impostas, pois refletem a vontade das próprias partes.

  5. Preservação e Restauração de Relacionamentos:
    Em muitos conflitos civis, as partes possuem ou necessitam manter algum tipo de relacionamento (comercial, de vizinhança, societário). A mediação, ao focar no diálogo e no entendimento mútuo, é particularmente eficaz em preservar ou até mesmo restaurar esses laços.

  6. Desafogamento do Poder Judiciário:
    Cada conflito resolvido por mediação ou conciliação é um processo a menos tramitando no já sistema judicial sobrecarregado, permitindo que juízes e servidores dediquem mais tempo e atenção aos casos mais complexos e àqueles que demandam, por sua natureza, uma intervenção estatal adjudicatória.

  7. Empoderamento das Partes:
    As partes deixam de ser meras espectadoras de um processo conduzido por outros e passam a ser agentes ativos na resolução de seus próprios problemas, o que pode gerar um aprendizado valioso para lidar com conflitos futuros.

Esses benefícios demonstram a clara efetividade da mediação e conciliação como alternativas à judicialização dos conflitos civis, justificando o investimento e o incentivo a esses métodos.

Desafios Persistentes à Plena Consolidação no Direito Brasileiro

Apesar dos avanços e da comprovada efetividade, a jornada para que a mediação e conciliação cível se tornem a primeira opção para a maioria dos conflitos civis no Direito brasileiro ainda enfrenta desafios significativos:

  1. Cultura do Litígio Arraigada:
    A mudança cultural é, talvez, o maior dos desafios. Tanto a população em geral quanto muitos operadores do Direito ainda veem o Poder Judiciário como o principal, senão único, caminho para a “justiça”. Superar essa mentalidade requer um esforço contínuo de educação e conscientização. Campanhas de informação sobre os benefícios da autocomposição são essenciais.

  2. Formação dos Operadores do Direito:
    As faculdades de Direito, historicamente, focaram na formação para o litígio. É crucial que os currículos incorporem de forma robusta o estudo e a prática dos métodos consensuais, preparando advogados, juízes e promotores para atuarem também como facilitadores do consenso.

  3. Qualidade e Capacitação dos Mediadores e Conciliadores:
    efetividade dos métodos depende diretamente da qualidade dos profissionais que os conduzem. Garantir uma capacitação contínua, rigorosa e padronizada para mediadores e conciliadores, bem como uma remuneração adequada, são desafios importantes para a credibilidade do sistema.

  4. Resistência de Alguns Setores:
    Pode haver resistência por parte de alguns advogados que veem nos métodos consensuais uma ameaça à sua atuação tradicional ou aos seus honorários. É preciso demonstrar que a advocacia colaborativa e a atuação em mediação/conciliação são nichos de mercado promissores e que agregam valor ao cliente.

  5. Estrutura e Recursos Insuficientes:
    Embora os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) tenham se expandido, ainda há a necessidade de ampliar a estrutura física e de pessoal, especialmente em comarcas menores, para atender à demanda de forma satisfatória.

  6. Desconhecimento da População:
    Muitos cidadãos ainda desconhecem a existência, o funcionamento e os benefícios da mediação e da conciliação. A divulgação ampla e acessível é fundamental.

  7. Questões Remuneratórias dos Profissionais:
    A remuneração de mediadores e conciliadores, especialmente os judiciais, ainda é um ponto de debate e pode desestimular a dedicação exclusiva e o aprimoramento contínuo desses profissionais.

  8. Uso Protelatório ou Descompromissado das Audiências:
    Um dos desafios práticos é evitar que as audiências de conciliação e mediação sejam vistas apenas como uma formalidade processual a ser cumprida, sem o real engajamento das partes e de seus advogados na busca por um acordo.

Superar esses desafios exige um esforço conjunto do Poder Judiciário, do Legislativo, das instituições de ensino, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da sociedade civil.

Estratégias para Fortalecer a Mediação e Conciliação Cível no Brasil

Para que a mediação e a conciliação como alternativas à judicialização dos conflitos civis atinjam seu pleno potencial no Direito brasileiro, algumas estratégias podem ser intensificadas:

  • Investimento em Educação e Cultura da Paz: Desde a escola básica até a formação superior, promover a cultura do diálogo e da resolução pacífica de conflitos.

  • Capacitação Contínua e de Qualidade: Para mediadores, conciliadores, advogados, juízes e servidores.

  • Campanhas de Divulgação Amplas: Utilizando linguagem acessível para informar a população sobre os benefícios e o funcionamento desses métodos.

  • Incentivos à Advocacia Colaborativa: Valorizar e reconhecer o papel do advogado que busca soluções consensuais.

  • Fortalecimento dos CEJUSCs e Câmaras Privadas: Ampliar a estrutura e garantir a qualidade dos serviços oferecidos.

  • Monitoramento e Avaliação Constantes: Coletar dados sobre a efetividade dos acordos, taxas de cumprimento e satisfação das partes para aprimorar continuamente as políticas e práticas.

  • Integração com Tecnologias: Utilizar plataformas online de mediação e conciliação (Online Dispute Resolution – ODR) para ampliar o acesso e a agilidade, especialmente para conflitos de menor complexidade ou que envolvem partes geograficamente distantes.

Conclusão: Um Caminho Necessário para uma Justiça Mais Efetiva e Humanizada

mediação e a conciliação como alternativas à judicialização dos conflitos civis representam mais do que simples mecanismos processuais; elas são reflexo de uma busca por uma justiça mais humana, célere, participativa e efetivamente capaz de pacificar as relações sociais. A efetividade desses métodos, já demonstrada em inúmeros casos, aponta para um futuro onde o diálogo e o consenso ocupam um lugar central na resolução de disputas no Direito brasileiro.

Os desafios para sua plena consolidação são reais e complexos, exigindo um compromisso contínuo de todos os atores do sistema de justiça e da sociedade. No entanto, os benefícios de um sistema menos dependente da litigiosidade e mais focado na autonomia e na satisfação das partes justificam cada esforço empreendido nessa direção. Ao fortalecer a mediação e a conciliação, não apenas aliviamos o sistema judicial sobrecarregado, mas também construímos uma sociedade mais apta a resolver seus próprios conflitos de forma construtiva e pacífica.

Qual a sua opinião sobre a efetividade da mediação e conciliação no Brasil? Você já utilizou algum desses métodos? Compartilhe sua experiência nos comentários!


FAQ – Perguntas e Respostas sobre Mediação e Conciliação Cível no Brasil

  1. P: A audiência de conciliação ou mediação no início do processo cível é realmente obrigatória?
    R: Sim, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece a obrigatoriedade da designação dessa audiência, a menos que ambas as partes manifestem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição.

  2. P: O acordo feito na mediação ou conciliação tem a mesma validade de uma sentença judicial?
    R: Sim. O termo de acordo homologado judicialmente constitui título executivo judicial. Mesmo acordos extrajudiciais, se feitos com as formalidades legais (assinatura das partes e de duas testemunhas, por exemplo), podem constituir título executivo extrajudicial, facilitando sua cobrança em caso de descumprimento.

  3. P: Quanto custa para usar a mediação ou conciliação?
    R: Nos CEJUSCs (Centros Judiciários), os serviços de mediação e conciliação são, em regra, gratuitos. Em câmaras privadas de mediação e conciliação, há custos envolvidos, que variam conforme a câmara e a complexidade do caso.

  4. P: Preciso de advogado para participar de uma sessão de mediação ou conciliação cível?
    R: Na esfera judicial, é recomendável e, em muitos casos, necessário que as partes estejam acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos. Na mediação extrajudicial, embora não seja sempre obrigatório, a presença do advogado é altamente aconselhável para orientar a parte sobre seus direitos e sobre os termos do acordo.

  5. P: O que acontece se não houver acordo na mediação ou conciliação?
    R: Se não houver acordo, o processo judicial (se já iniciado) prosseguirá normalmente para as fases seguintes (contestação, instrução, julgamento). A tentativa de autocomposição não prejudica o direito das partes de buscar uma solução judicial.

  6. P: A mediação e a conciliação servem para todos os tipos de conflitos civis?
    R: Elas são aplicáveis à maioria dos conflitos cíveis que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis (aqueles que as partes podem negociar livremente). Questões que envolvem direitos indisponíveis (como o estado de filiação, por exemplo) podem ter restrições.

  7. P: Como a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) impactou a resolução de conflitos no Brasil?
    R: Ela trouxe um marco legal importante, estabelecendo princípios, regras para a atuação de mediadores, a confidencialidade do processo, a validade dos acordos e incentivando a criação de câmaras de mediação. Ela representou um grande passo para a institucionalização e profissionalização da mediação no país.


Este artigo buscou oferecer uma visão equilibrada sobre o tema. A promoção da mediação e conciliação é um esforço contínuo e essencial para o aprimoramento do acesso à justiça no Brasil.

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *