Em um mundo cada vez mais complexo e interconectado, a forma como lidamos com nossos conflitos está passando por uma transformação profunda. Longe vão os dias em que a única resposta para uma disputa era um longo e, muitas vezes, desgastante processo judicial.
O século XXI nos convida a repensar o significado de “fazer justiça”, abrindo caminho para abordagens mais ágeis, humanizadas e eficazes. No Brasil, essa mudança tem nome e estrutura: a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos.
A Arquitetura da Mudança: A Política Nacional em Foco
O marco inicial dessa revolução silenciosa é a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mais do que um simples normativo, ela representa uma diretriz clara para que o Poder Judiciário brasileiro abrace e promova os Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASCs), como a mediação e a conciliação.
O objetivo? Múltiplo. Desde desafogar um sistema judicial historicamente sobrecarregado até oferecer aos cidadãos alternativas que realmente atendam às suas necessidades. Para isso, a Política Nacional prevê a criação de estruturas como os NUPEMECs (Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos), responsáveis pelo planejamento e implementação das ações, e os CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania), os espaços onde a mágica do diálogo acontece, com profissionais capacitados para facilitar a comunicação entre as partes. Essa política não visa substituir o Judiciário tradicional, mas complementá-lo, oferecendo um leque mais amplo de opções.
Para Além dos Tribunais: O Que é Acesso Real à Justiça?
Falar em “Acesso à Justiça” hoje vai muito além da simples possibilidade de ingressar com uma ação judicial. O conceito moderno, impulsionado por décadas de reflexão jurídica e social, compreende o acesso a uma ordem jurídica justa, ou seja, a um sistema que ofereça respostas efetivas, em tempo razoável e com custos acessíveis.
Nesse contexto, os MASCs são ferramentas poderosas. Ao permitirem que as próprias partes, com o auxílio de um terceiro facilitador neutro, construam suas soluções, a mediação e a conciliação democratizam o acesso à justiça. Elas empoderam o cidadão, tornando-o protagonista na resolução de seus próprios problemas, e muitas vezes resultam em soluções mais criativas, personalizadas e, crucialmente, mais satisfatórias e duradouras do que uma sentença imposta.
A Revolução Cultural: Do Confronto ao Consenso
Talvez o maior desafio, e também a maior promessa, dessa nova era seja a mudança da cultura do confronto para a cultura do consenso. Estamos historicamente acostumados a uma lógica adversarial, onde um lado “ganha” e o outro “perde”. Essa mentalidade permeia não apenas o sistema legal, mas muitas de nossas interações sociais.
A cultura do consenso, por outro lado, propõe uma visão colaborativa. Ela parte do princípio de que, mesmo em meio a divergências, é possível encontrar pontos de convergência e construir soluções que beneficiem a todos os envolvidos, ou que ao menos minimizem as perdas de forma equitativa. Isso exige uma nova forma de pensar o conflito: não como uma batalha a ser vencida, mas como um problema a ser resolvido conjuntamente. A mediação e a conciliação são os instrumentos por excelência para fomentar essa cultura, incentivando o diálogo, a escuta ativa e a empatia.
A Bússola Moral: A Ética do Mediador e do Conciliador
Para que essa engrenagem funcione com credibilidade e eficácia, a atuação dos mediadores e conciliadores deve ser pautada por rigorosos princípios éticos. O Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais (Anexo III da Resolução 125/CNJ) serve como essa bússola moral, estabelecendo os pilares da prática.
Princípios como Confidencialidade (garantindo um espaço seguro para o diálogo), Decisão Informada (assegurando que as partes compreendam o processo e as implicações de suas escolhas), Competência (exigindo qualificação e aprimoramento contínuo), Imparcialidade (vedando qualquer tipo de favoritismo), Independência (assegurando autonomia na condução), e Autonomia da Vontade (respeitando o poder de decisão das partes) são fundamentais. Eles não são meras formalidades, mas a garantia de que o processo será justo, transparente e respeitoso.
A Jornada Inicial
Desvendar a Justiça do Século XXI é, portanto, compreender que a solução de conflitos é um campo vasto e multifacetado. A Política Nacional nos oferece o mapa, o conceito ampliado de Acesso à Justiça nos dá o destino, a transição para uma cultura do consenso nos mostra o caminho, e a Ética nos fornece a bússola. É um convite para construirmos, juntos, uma sociedade onde o diálogo e a colaboração sejam as primeiras ferramentas a serem consideradas na busca pela pacificação social.










